terça-feira, 19 de novembro de 2013

O frentista poeta

Era domingo, à noite, e eu estava exausta. Feliz pra caramba, mas exausta. O final de semana prolongado tinha sido preenchido com trabalhos fotográficos, churrasco com amigos, piscina com criança, viagem com a família, casamento de grandes amigos, festão, almoço da família dos amigos no dia seguinte. E tinha terminado em uma viagem de quase quatro horas para voltar para casa. Como, no dia seguinte, de manhãzinha, eu teria que viajar para trabalhar, aproveitei para abastecer o carro, antes de buscar a pizza da janta.

"Pois não?"
"Boa noite. O senhor coloca R$ 50,00 de álcool, pra mim, por favor?"
"Boa noite!", me respondeu o frentista, de uns 60 anos, aparentando estar surpreso que eu tivesse falado mais do que "cinquenta reais", com voz de robô, pra ele.

"Vai pagar com cartão?"
"Vou. O senhor faz..."
"Já vou fazer o canhoto, JÁ, pra você!", me antecipou ele, sorrindo.

Peguei minha bolsa nova e linda (ah! Nada como fazer aniversário!...), recebi o papelzinho das mãos do frentista e me dirigi para o caixa. Eu estava de salto (eu vivo de salto), calça jeans e uma blusa qualquer. Nada demais. Só contei essa parte porque fui chamada de "elegante", minutos depois, e não entendi direito o motivo do elogio...

Voltei para o carro, estendi a mão com o canhoto escrito "pago" para o frentista, agradeci e já ia entrar no carro, quando ele me perguntou:

"Você sabe o que inspira a gente a escrever?"
"Nossa! Que coincidência! O senhor sabia que eu sou escritora, ou tento ser - eu tenho um blog, e acabei de chegar de 4 horas de viagem pensando e-xa-ta-men-te nisso? Porque eu vou te contar, viu, não é muito fácil, não, encontrar temas interessantes, que estimulem as pessoas a pensarem, que inspirem as pessoas a serem mais bacanas, que alegrem os leitores. Essa vida de escritor é difícil, mesmo, né? Mas, me conta, qual é o tema que te inspira?", pensei em dizer e quase fui buscar um refri, pra gente ficar ali conversando, mais agradavelmente, sobre escritas e leituras, de um jeito mais confortável. Pensei em dizer, mas não disse, claro! Que nem sou louca. Mas não queria deixar um senhor tão simpático sem resposta, que eu também não sou mal educada.
"O que inspira a escrever?"
"Gente como a senhora e gentilezas inesperadas."
Só sorri.

"Porque, às vezes, o dia está bem difícil, a vida está difícil e a gente começa a desacreditar numa mudança. Mas daí, aparece alguém como a senhora, toda elegante, com pressa, mas se dá ao trabalho de ser educada com os outros, de falar "por favor" e "obrigada". E a gente vê que o mundo não está, assim, tão ruim."
Sorri mais! Em meio minuto, eu tinha sido chamada de elegante e educada. Delícia ver que o trabalho dos meus pais deu certo. Pelo menos, com aquele frentista, deu!

"Eu escrevo poesia, sabia?"
"Uau. Parabéns. É raro alguém apreciar poesia, nesses dias, quem dirá escrever."

E como ele não estava me paquerando, nem nada, mas só mantendo uma conversa bacana com alguém bacana (eu! Eh!), se desculpou:
"Licença, que chegou um próximo cliente. Boa noite pra você! E... obrigado."
E partiu em direção ao carro que parava na bomba da frente.

Pois é... talvez alguém, em algum lugar, esteja escrevendo um poema, agora, falando sobre boas maneiras, sobre inspiração, sobre gentileza. Tudo isso porque eu inclui um "boa noite" e um "por favor", na minha parada no posto. Quem diria!...

4 comentários:

  1. Que lindo isso,Mirys! Um belo encontro num posto, e palavrinhas que deveriam ser normais ainda rendem poesia, pois quase não são vistas ou ouvidas. Pena isso,não? Mas foi legal! beijos,chica

    ResponderExcluir
  2. As sagradas palavrinhas mágicas que fazem toda a diferença... :)

    ResponderExcluir
  3. TO-DA-A-DI-FE-REN-ÇA!
    O duro é ensinar a nova geração de que isso importa, sim! Ás vezes, me sinto uma "et"...
    Rsrs.

    Bjos e bênçãos.
    Mirys

    ResponderExcluir

Comentar é o seu jeito de fazer a minha bagunça mais feliz! Obrigada!

Pin It button on image hover