domingo, 28 de setembro de 2014

Protocolo

Li uma crônica da Martha Medeiros, em que ela falava sobre algumas pessoas que usam "te amo", como se fosse "câmbio, desligo", no final das ligações telefônicas. E me peguei pensando em quantas vezes eu mesma já fiz isso. Quantas vezes eu perguntei "e aí, tudo bem", sem ter a sincera intenção de ficar e ouvir a resposta sobre como andava a vida da pessoa que cruzou comigo. Ou disse um "qualquer dia, a gente almoça / janta / toma um café juntos", sabendo que se nós não marcássemos uma data ali, naquele momento, provavelmente, nunca aconteceria nenhuma reunião gastronômica.

Eu entendo que algumas frases são questão de urbanidade e que a vida social é melhor quando a gente entra no elevador e comenta que a música está agradável, quando a gente fala sobre o clima na sala de espera do dentista, ou comenta sobre outras apresentações de um artista, na fila de espera para o show. Tudo bem, é normal a gente ter umas algumas frases na manga e usa-las aqui e ali, só para não ser visto como nenhum ogro. Um "bom dia" ao chegar no trabalho não custa caro pra ninguém, concordo. Questão de protocolo.

Mas acredito que tudo muda de figura quando estamos nos relacionando com quem importa, mesmo, na nossa vida. Falar "a gente se encontra" para um amigo querido e não fazer nenhum plano de encontra-lo, me faz questionar o quão querido ele é. Porque, para o que é prioritário, a gente arruma tempo. Dizer para um filho que "qualquer coisa, a mamãe está aqui" e não estar lá (ou tentar), quando ele precisar de você, é colocar em dúvida o quanto ele pode contar com os pais que tem. Dizer "te amo" só porque não tem assunto pra conversar... é triste.

No meu trabalho, tem um balcão na entrada, onde são feitos os protocolos. É chegar, entregar os documentos, receber o carimbo e pronto. Está protocolado. Algo rápido e indolor. Inofensivo, claro, mas sem significado algum. Ninguém olhou o conteúdo do que você entregou, ninguém analisou nada, ninguém emitiu nenhuma opinião. Você entregou o que tinha que entregar e a outra pessoa fez a parte dela, e vocês podem seguir o dia com a sensação de dever cumprido.

É a mesma coisa nos relacionamentos: beijos, abraços, declarações podem ser cheios de sentido ou apenas protocolo.

Eu sou da turma que gosta de intensidade e propósito. Não quero abraçar meus filhos só porque eu sou mãe deles, mas porque estou sinceramente feliz por uma conquista ou compartilho da tristeza deles. Adoro minhas discussões com a mais nova, na porta da escola, "tchau filhota, eu te amo", "mas eu te amo mais!", "eu que amo". Ela sorri e entra, sabendo que eu a amo - de propósito. Eu marco de encontrar amigos, no próximo final de semana, e vou! Sexta à noite, sábado no almoço, sábado na janta, domingo. Ou não marco. Mas, não fico naquelas de "a gente marca alguma coisa, qualquer hora dessas", sem a menor intenção de gastar umas boas horas (e logo) na presença daquelas pessoas. Eu até aceito "selinhos" porque, enfim, vivemos em sociedade e a gente tem que saber se comportar em público, mas no particular me beije como se quisesse me beijar, como se não tivesse absolutamente nada que você quisesse mais do que aquilo.

A gente pode passar por essa vida cumprindo vários protocolos e, tudo bem, vai chegar no fim, do mesmo jeito. Mas, quem passa pela vida vivendo, ah!, esses são os grandes sortudos! Talvez demande mais trabalho e até seja exaustivo viver intensamente, mas nós acabamos de falar que o fim chega pra todos, de qualquer jeito. E eu não vejo vantagem em chegar descansada, lá na frente. Por mim, dá pra ser sincero e intencional, ao menos, com aqueles que são importantes.

4 comentários:

  1. Amei o texto. A mais pura verdade. Também me pego falando algumas dessas frases "no automático", parece que às vezes é inevitável.
    Mas é! vou me policiar mais.

    Beijossssssss
    ┌──»ʍi૮ђα ツ

    ResponderExcluir
  2. Gostei do teu texto! É um alerta à superficialidade que podemos estar colocando na nossa vida, nos relacionamentos com pessoas importantes.
    Aprendendo a viver! Beijo.

    ResponderExcluir
  3. Mirys,
    Minha mãe sempre fala assim: Falar eu te amo só por falar não vale nada, seja sempre sincero. Não quer saber como a pessoa esta? Diga um simples OI, bom dia ou boa tarde, sincero e educado! As vezes acho o celular e internet uma coisa meio fria. Você toda empolgada manda: Oi, e ai, tudo bem? e a pessoa te responde: Oi, tudo. Acho que as pessoas deveriam dizer: Oi, estou bem, agora não posso falar. Beijos.
    Eu entenderia melhor. Sei lá... só minha opinião.

    Beijos

    ResponderExcluir
  4. Oi Mirys... MM é a MM !!!
    kkkk Adoro os textos dela.

    E perfeita a sua dissertação em cima do assunto... vale a pena ler de novo viu ??

    Bjs
    Debby :)

    ResponderExcluir

Comentar é o seu jeito de fazer a minha bagunça mais feliz! Obrigada!

Pin It button on image hover